Percepção e Ilusão: O Inquietante Vestido de Bianca Censori e a psicanálise
- thiagovbastos
- 5 de fev.
- 3 min de leitura
O vestido de Bianca Censori, esposa do polêmico artista Kanye West, causou furor nas redes sociais. A peça, que oscila entre a aparência de nudez e a de uma estrutura branca e translúcida, gerou debates acalorados: as pessoas viam coisas diferentes, e essa ambiguidade visual provocou reações que vão da admiração ao desconforto. Mas o que esse fenômeno tem a ver com a psicanálise? Para responder, vamos recorrer a Freud e seu ensaio O Estranho (Das Unheimliche), além de outras referências psicanalíticas que nos ajudam a entender como a percepção e a ilusão tocam nosso inconsciente.
O Estranho e o Familiar que Assusta
Freud define o estranho/inquietante (unheimlich) como aquilo que deveria ter ficado escondido, mas se revela. É o familiar que se torna assustador porque nos confronta com algo reprimido. No caso do vestido de Bianca Censori, a ambiguidade visual cria uma sensação de estranhamento: o que vemos não é claramente uma roupa, mas também não é claramente nudez. Essa indeterminação ativa um conflito interno entre o que é real e o que é ilusório, entre o que é permitido ver e o que deve permanecer oculto.
A nudez, enquanto símbolo, carrega uma carga psíquica poderosa. Ela remete ao primitivo, ao não mediado pela cultura, e por isso pode ser tanto fascinante quanto perturbadora. O vestido de Bianca, ao brincar com essa fronteira, evoca o estranho, nos inquieta: ele nos confronta com algo que deveria estar velado, mas está ali, quase exposto, mas não totalmente. Essa tensão entre o revelado e o oculto é justamente o que Freud identifica como a essência do unheimliche.
A Ilusão e o Desejo do Espectador
A ilusão criada pelo vestido também nos leva a pensar no conceito de fantasia, tão caro à psicanálise. Lacan, em sua teoria do imaginário, fala sobre como nossas percepções são sempre mediadas pelo desejo. O que vemos não é apenas o objeto em si, mas uma projeção de nossos desejos e medos. No caso do vestido, a ambiguidade permite que cada espectador preencha as lacunas com suas próprias fantasias. Para alguns, a peça pode evocar uma sensualidade proibida; para outros, uma frieza quase robótica. Essa multiplicidade de interpretações revela como a ilusão atua como um espelho do inconsciente.
Além disso, o vestido pode ser visto como uma metáfora do olhar. Lacan discute o conceito de objeto a, que é aquilo que escapa ao olhar, mas é justamente o que nos atrai. O vestido de Bianca, ao brincar com a ideia de nudez sem mostrá-la completamente, funciona como um objeto a: ele nos atrai porque promete revelar algo, mas mantém esse algo sempre fora de alcance. Essa dinâmica de aproximação e afastamento é o que sustenta o fascínio e o desconforto.
A Percepção e o Inconsciente
Freud também nos ajuda a entender como a percepção está ligada ao inconsciente. Em A Interpretação dos Sonhos, ele mostra que nossos sentidos são frequentemente enganados por desejos e conflitos internos. O vestido de Bianca, ao criar uma ilusão que confunde o olhar, funciona como um sonho acordado: ele nos faz questionar o que é real e o que é projeção. Essa ambiguidade é perturbadora porque nos lembra que nossa percepção nunca é totalmente confiável – ela é sempre filtrada por nossas experiências, traumas e desejos.
Aqui, podemos recorrer também a Winnicott e sua ideia de espaço transicional. O vestido, ao oscilar entre nudez e roupa, cria um espaço intermediário onde a realidade e a fantasia coexistem. Esse espaço é justamente onde a criatividade e o estranhamento se encontram. Para Winnicott, é nesse lugar intermediário que podemos experimentar a ilusão sem sermos completamente engolidos por ela – mas, no caso do vestido de Bianca, essa experiência é levada ao limite, gerando tanto fascínio quanto inquietação.
O Estranho no Cotidiano
O vestido de Bianca Censori é mais do que uma peça de moda; é um fenômeno que nos convida a refletir sobre como a percepção e a ilusão estão profundamente ligadas ao nosso inconsciente. Ele nos confronta com o estranho, aquilo que deveria ficar escondido, mas se revela de forma ambígua. Ele nos lembra que nossa visão do mundo é sempre mediada por nossos desejos, medos e fantasias.
Freud, Lacan e Winnicott nos oferecem ferramentas preciosas para entender por que esse vestido causou tanto impacto. Ele não é apenas uma ilusão óptica; é um espelho que reflete nossas próprias contradições internas. E, talvez, seja justamente isso que o torna tão fascinante: ele nos mostra que, no fundo, todos somos um pouco estranhos para nós mesmos.
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